1 de abr. de 2013

Um “recheio” de inconstitucionalidades

Responsabilidades exclusivas do Estado serão, a partir da privatização, administradas pela empresa gestora do presídio.


Reportagem de José Francisco Neto

O modelo do primeiro Complexo Prisional privatizado adotado em Minas Gerais é inspirado na experiência inglesa. De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds-MG), o consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), vencedor da licitação, é o responsável por construir e administrar o complexo. Ele terá que obedecer 380 indicadores de desempenho definidos pelo governo.

O grupo será responsável pela manutenção do complexo e gestão dos serviços exigidos pelo Estado, que incluem atividades educativas e de formação profissional. A empresa também ficará responsável pelo fornecimento de refeições e uniformes, tratamento de saúde, atendimento psicológico e assistência jurífica aos presos.

Kenarik Boujikian, integrante da Associação Juízes para a Democracia, ressalta, entretanto, que essas responsabilidades são exclusivamente do Estado. “Como se vê essa ‘privatização’ está recheada de inconstitucionalidades, e as parcerias nem poderiam ser usadas para tal fim”, esclarece Kenarik.

Em nota, a assessoria de iimprensa do Consórcio GPA informou que a PPP prisional prevê a gestão compartilhada dos complexos pelo governo e pelo parceiro privado. Disse ainda que toda a administração da empresa será acompanhada de perto pelo governo e por uma auditoria independente, “o que faz com que o contrato seja seguida à risca pelo parceiro privado.” De acordo com os artigos 10 e 11 da Lei de Execução Penal (LEP), o Estado é quem deve prestar assistência material, social e jurídica ao detento. Determina também o atendimento médico e a orientação para a sua reintegração na sociedade.

Advogado do diabo

O juiz de direito em São Paulo Marcelo Semer vê conflito de interesse nessa proposta de assistência jurídica. Para ele, essa é uma prerrogativa da Defensoria Pública. “Ou o advogado custeado pela empresa estará  em condições de noticiar abusos cometidos por seu próprio patrão?”, questiona.

A Lei 12.313, de 19 de agosto de 2010, altera a Lei de Execução Penal para prever a assistência jurídica ao preso e atribuir competências à Defensoria Pública.

Para o coordenador do Núcleo de Situação Carcerária e defensor público do Estado de São Paulo, Patrick Lemos Caciedo, essa é uma medida que fere a Constituição. Ele esclarece que um advogado vinculado à empresa gestora do estabelecimento prisional jamais tutelaria qualquer direito que fosse contrário ao seu empregador.

“Somente uma instituição autônoma como a Defensoria Pública pode prestar a assistência jurífica gratuita, pois só ela tem condições de realmente tutelar os direitos das pessoas presas de forma independente”, argumenta.
A reportagem entrou em contato com as assessorias da Defesa Social de Minas Gerais e a do Consórcio GPA para responder essa questão, mas até o fechamento dessa edição não obteve respostas.


Fonte: Jornal Brasil de Fato - nº 522, página 5.

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